quarta-feira, 21 de julho de 2010

NOTAS SOBRE JOSÉ SARAMAGO

        João Soares Neto
Deixei para falar dele agora. Faz um mês, depois de amanhã. Suas cinzas foram espalhadas ao vento, entre a pátria mãe e a ilha calcinada onde voltou a amar, se já o houvera feito. Um homem se fez continente em Lanzarote, na paisagem lunar das Ilhas Canárias. Foi lá onde Pilar Del Rio, jornalista, idade de filha, garroteou-o afetivamente e jogou fora sua sexagenária caturrice. A partir daí, ela seria a coluna a dar sentido a uma vida transformada e oxigenada de um homem solitário e triste. Lá em Lisboa, nas cercanias da Praça Marquês de Pombal, em uma feira de livros, conheci José Saramago, após sua premiação com o Nobel de Literatura, em Estocolmo. Tudo já foi dito sobre esse ateu com fixação em falar sobre religião. Se não o fora, não teria escrito esta frase polêmica definindo a Bíblia: “O maior livro dos maus costumes, o catálogo da crueldade”. Saramago pressentiu, como idoso e circunspecto, a sua morte. Já em 1995, dizia: “O corpo é também um sistema organizado, e a morte não é mais do que o efeito da desorganização”. Na verdade, sua morte por falência múltipla de órgãos, foi o epílogo dessa falada desorganização. A Folha de São Paulo dedicou a José Saramago, o menino pobre de uma aldeia miserável, um caderno especial. Nesse caderno se fala de um romance dele, inconcluso, sobre o tráfico de armas, atividade vil e poderosa. Seu título provisório era “Alabardes, Alabardes! Espingardas, Espingardas!”. Parece não gostado do título e a sua doença o fez parar. O cineasta Fernando Meireles, diretor do filme que leva o título do seu romance “O ensaio sobre a cegueira”, está editando um documentário com o título de “José e Pilar”, isto é, marido e mulher e a certeza da vida, mesmo com amor, ter finitude. Para João Pereira Coutinho, ensaísta português: “se existe um Saramago que interessa como escritor, ele existe antes do Nobel, não depois dele”. Coutinho quis dizer que a produção literária de Saramago perdeu o fio e a essência ao se globalizar. Como se vê a crítica não é unânime sobre as obras derradeiras de Saramago, nascido José de Souza. Coutinho afirma ainda que “A caverna” ou o “Ensaio Sobre a Lucidez”, para citar só dois exemplos, representam o pior de Saramago, pós-Nobel: ”escritor moralista e verborrágico com certa atração pelo maniqueísmo vulgar”. Por outro lado, Luiz Schwarsz, dono da editora Companhia das Letras, fala do amor recente dos brasileiros por ele. Em um lançamento de livros a efusão de abraços e beijos, fizeram-no exclamar, “Luiz esta gente quer me matar de amor”. E aí Saramago, existem céu e inferno?

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